sexta-feira, 3 de julho de 2015

Análise sobre o modelo contratual da monogamia.

 Ao se referir às análises econômicas dos neoliberais sobre assuntos "não-pertencentes à economia", de crivo das ciências humanas, com sua linguagem mercadológica/empresarial, Foucault lê um texto em uma de suas aulas no College de France, no curso O nascimentos da biopolitica, de um economista canadense chamado Jean-Luc Migue:

 "Uma das grandes contribuições recentes da analise econômica [ele se refere a analise dos neoliberais; M.F.] foi aplicar integralmente ao setor doméstico o quadro analítico tradicionalmente reservado à firma e ao consumidor. [...] Trata-se de fazer do casal uma unidade de produção ao mesmo titulo que a firma clássica. [...] De fato, o que é um casal, senão um compromisso contratual de duas partes para fornecer inputs específicos e compartilhar em determinadas proporções os benefícios do output dos casais?" Que sentido tem a contrato de longo prazo estabelecido entre pessoas que vivem juntas na forma matrimonial? O que a justifica economicamente, o que a funda? Pois bem, é que esse contrato de longo prazo entre esposos possibilita evitar renegociar a cada instante e sem parar as inúmeros contratos que deveriam ser firmados para fazer a vida doméstica funcionar. Passe-me o sal, eu te passo a pimenta. Esse tipo de negociação fica resolvido, de certo modo, por um contrato de longo prazo que é o próprio contrato de casamento, que permite fazer o que os neoliberais chamam - bem, acho aliás que não são somente eles que chamam isso assim - de economia dos custos de transação.Se fosse necessário fazer transação para cada um desses gestos, haveria um custo em tempo, logo um custo econômico, que seria absolutamente insuperável para os indivíduos. Ele é resolvido pelo contrato de casamento.
 Pode parecer engraçado, mas aqueles de vocês que conhecem o texto deixado por Pierre Rivière antes da sua morte, no qual ele descreve como viviam seus pais, perceberam que, de fato, a vida matrimonial de um casal de camponeses no inicio do século XIX era perpetuamente tecida e tramada com toda uma serie de transações. Vou lavrar a seu campo, diz a homem à mulher, mas contanto que possa fazer amor com você. E a mulher diz: você não vai fazer amor comigo enquanto não der de comer para as minhas galinhas. Vemos surgir, num processo como esse, uma espécie de perpetua transação, em relação ao qual a contrato de casamento devia constituir uma forma de economia global que possibilitava não ter de renegociar a cada instante. E, de certo modo, a relação entre o pai e a mãe, entre o homem e a mulher, não era nada além do desenrolar cotidiano dessa espécie de contratualização da vida em comum, e nisso todos esses conflitos não eram senão a atualização do contrato; mas, ao mesmo tempo, a contrato não cumpria o seu papel: ele não havia, na verdade, possibilitado a economia do custo de transação que devia assegurar. Em resumo, digamos que temos ai, nessas analises economistas dos neoliberais, uma tentativa de decifração em termos econômicos de comportamentos sociais tradicionalmente não-econômicos.

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Finais são bençãos ambivalentes.